"Os jovens têm sido protagonistas de momentos de grande impacto na opinião pública mundial. Em alguns casos, foram os mocinhos da história, como nas manifestações pela democracia no Egito ou defendendo a educação no Chile. Mas os atos irracionais que tomaram conta da Inglaterra revelam que a juventude nem sempre opta pelo lado certo. De qualquer modo, é muito difícil escolher os caminhos, em tão tenra idade, num mundo que muda velozmente e é marcado por enormes incertezas.
A situação da juventude mundial me atormentou na semana passada ao pensar no novo posto que assumi, de coordenador do curso reformulado de graduação em administração pública da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. O objetivo principal da proposta é formar as lideranças públicas para o século XXI. Os alunos vão trabalhar em governos, no terceiro setor, em organismos internacionais, áreas de responsabilidade social ou de relações governamentais das empresas. É, enfim, uma série de atividades com grande pcotencial de empregos e necessidade de gente muito qualificada. Mas a meta do curso é mais ambiciosa: selecionar e produzir líderes capazes de mudar o Brasil e, na humilde contribuição de nosso país tropical, de atuar pelo aperfeiçoamento do mundo.
Claro que é importante oferecer um amplo leque de disciplinas, escolher os melhores professores, revolucionar os métodos pedagógicos e dar muita experiência prática, no plano nacional e internacional, para ter um curso que responda a um objetivo tão ambicioso. Esses aspectos estão presentes no projeto, mas ainda é necessário ter um elemento fundamental: um guia de valores capaz de preparar a juventude para enfrentar e dar um novo rumo ao século XXI.
Muitos valores são fundamentais para a formação dos adultos do futuro. Destaco aqui apenas algumas ideias que serão fundamentais neste mundo em que o novo é tão fascinante, efêmero e nebuloso.
A capacidade de aprender com a troca incessante de ideias e opiniões é um dos maiores desafios de nosso tempo. Nunca se viu tanta gente, de tantos lugares do globo, expressando suas visões de mundo. Isso é alvissareiro, mas nem sempre o debate tem sido usado como forma de entender melhor o mundo e construir caminhos e pontes, mesmo que provisórias ou paralelas, de convivência entre as pessoas. O grau de intolerância e sectarismo que observo na internet, ou como se viu no recente embate político nos Estados Unidos, é assustador.
O grau de intolerância na internet, ou como se viu no embate político nos EUA, é assustador
Esse ânimo para a guerra sem fim contra inimigos eternos é bastante preocupante porque, de um modo ou de outro, mais culturas e povos tendem a estabelecer contatos entre si nas próximas décadas. Se o “outro” for um objeto de repulsa, o futuro pode ser desastroso. É preciso ensinar aos jovens que podemos ter uma sociedade internacional pluralista, cuja construção será trabalhosa e sempre aberta a mais de uma visão de mundo, sem acabar com as identidades locais – ao contrário, elas precisam ser ressignificadas.
A tarefa é árdua, mas as alternativas são piores: ou se opta pelo isolacionismo dos países e regiões, com feições de uma nova Idade Média, ou então ganham força os instrumentos beligerantes, cujo resultado final é sempre a desumanização da história.
Adotar uma postura tolerante em prol do debate e se guiar por um internacionalismo plural e aberto são ingredientes essenciais para formar novos líderes. Porém, não se deve esquecer o papel que terão para mudar o Brasil. É preciso conhecê-lo profundamente, propondo soluções a nossos diversos problemas. O comprometimento com a nação será essencial, mas não poderá usar a roupagem do século XX. O incentivo à criatividade será a forma de ativar o espírito jovial para encontrar novas maneiras de produzir políticas públicas.
Em meio às incertezas do século XXI, é possível apostar numa juventude propositiva e bem preparada. É este sonho que tentarei colocar em prática nos próximos anos.”
Texto retirado na íntegra do coluna de Fernando Abrúcio da Revista Época.
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